O PRIMEIRO GOLE
Não são homens nem mulheres...
Não são nem bestas, nem humanos...
São carniçais!
–Edgar Allan Poe, “The Bells”
Carniçais.
A mesma palavra conjura imagens de criaturas pálidas e disformes, espreitando entre lápides e criptas, remexendo o pó de cemitérios e arranhando as tampas dos esquifes, sempre tentando desenterrar e revelar os fétidos restos dos falecidos da humanidade.
No Mundo das Trevas, o termo “carniçal” se refere a uma criatura, normalmente um inofensivo humano ou animal, transformado repentinamente em um ser sobrenatural por uma dieta de vitae, o sangue dos vampiros.
Livre da dominante sede dos vampiros, não mais vulnerável a luz do meio-dia do que qualquer pessoa normal, não parece nem mesmo com o homem do saco devorador de cadáveres de quem recebe o nome. Para alguns a vida pode parecer bem atrativa: um carniçal não envelhece, pode curar quase qualquer ferimento, tem o dobro da força que tinha antes... Isso soa muito bem!
Mas não é.
Um carniçal não é uma versão branda de um vampiro. Os carniçais podem não ser Condenados, mas em muitos aspectos eles são piores.
O Sangue muda muitas coisas em um ser vivo. A ameaça vampírica do frenesi persegue todos os carniçais, levando-os a extremos de ira e desejo... Extremos frequentemente centrados em suas necessidades humanas, todavia presentes. Também podem aparecer outros estigmas: deformidades, loucura, ou inclusive coisas mais terríveis. Talvez o pior de tudo seja que muitos carniçais estejam sob Laço de Sangue. Estes dedicados viciados são obcecados por seus mestres, ou Dominadores.
É demasiadamente fácil para a personalidade de um carniçal ficar sujeita a força de vontade de seu Dominador. Ele é um escravo... Pode controlar sua própria vontade a princípio, mas isso não dura muito tempo. Uma vez provado do Sangue, ele não terá mais escolhas.
Sabendo de tudo isso, porque então querer interpretar um carniçal?
Primeiro, a tragédia é uma parte inerente das histórias de Vampiro. Os temas de alienação e conflito interior não são exclusivos dos Membros. Se um Cainita é uma figura trágica, seu criado carniçal o é duplamente. Os carniçais não têm uma dependência biológica pela vitae... A princípio. Mas, uma vez saboreadas as primeiras gotas de pura glória e poder destilado, é muito difícil voltar atrás.
E tão logo o Laço de Sangue é feito, sua existência gira em torno desta persona horrível e maravilhosa sem a qual você estará certo de que não poderia mais viver.
Você pode viver de forma cotidiana como um humano normal. Você come, bebe, sangra... Mas já não é mais um humano na totalidade.
Você pode entrar em frenesi, e ferir inadvertidamente alguém próximo a você. Seus processos biológicos são ampliados... Mas também não controla seus impulsos, e os seres vivos têm mais do que os não-mortos. Não envelhece como os humanos. Vaga pela borda de uma queda mortal e tudo que falta para te empurrar é uma simples gota de sangue.
Segundo, o horror de Vampiro é, todavia, mais extremo quando você não é um vampiro. Como carniçal, você é parte da sociedade dos Membros, mas uma parte prescindível. Não há nenhum Senhor obrigado a lhe instruir: você sabe pouco dos clãs, amigos ou inimigos.
Os feiticeiros Tremere e os psicopatas Malkavianos são duas vezes mais aterradores quando se descobre que são mais poderosos que você. Poderes como Tenebrosidade e Metamorfose são especialmente espantosos aos olhos de um carniçal.
Os vampiros são bestas terríveis, sobretudo quando se sabe o mínimo para estar deveras assustado... E quem disse que você vai saber algo mais? Não há absolutamente nenhuma razão para que o seu Dominador tenha que lhe dizer nada sobre a cultura vampírica.
Pode ser que não saiba o que é um clã... Ou mesmo um vampiro. Tudo o que sabe é que essa pessoa maravilhosa entrou na sua vida, e lhe dá algo que o faz se sentir como Sansão, e lhe encarrega umas tarefas bem estranhas de vez em quando, mas vale a pena.
Tudo o que tem que fazer é sobreviver no Mundo das Trevas enquanto misteriosas e poderosas figuras invisíveis se movem nas sombras que te rodeiam.
Não é fácil para um Cainita, e para um mortal é praticamente impossível.
Um personagem carniçal em um bando de vampiros pode ser gratificante.
Ele pode se mover à luz do dia, e inclusive se tornar um membro de grande apreço do bando.
Sim, você é fraco, mas quem disse que a vida é justa?
Mas pelo menos você pode passear por um parque em uma tarde ensolarada, desfrutar de um bom vinho branco com sua salada de frango à César, e inclusive constituir família.
Os vampiros podem acabar devendo a você mais do que você a eles.
E isso, é claro, nunca é bom.
Carniçais: Vício Fatal é um suplemento para Vampiro: A Máscara, criado para dar a jogadores e Narradores uma maior compreensão e ideias sobre o que significa ser um carniçal: desde psicologias aberrantes a simples feitos físicos, desde seus jogos sociais até o que esperar de um carniçal sem mestre.
E este material ainda pode ser usado para qualquer crônica de Vampiro, esperamos que você se sinta inspirado a interpretar um carniçal, débil ou perigoso, pelo menos para experimentá-lo.
O Capitulo Um: Um Mecanismo Rubro, centra-se nos detalhes biológicos da condição de carniçal, as mudanças provocadas no corpo e um olhar detalhado sobre a sua mente. Inclui também a maioria das regras sobre a sua fisiologia.
O Capitulo Dois: Mestres e Servos? É descrito como os carniçais se encaixam na sociedade vampírica, assim como os distintos agrupamentos que formam por conta própria.
O Capitulo Três: Criação de Personagem, oferece regras para a criação de personagens carniçais para jogadores, incluindo Qualidades e Defeitos específicos para dar mais personalidade ao seu vassalo.
No Capitulo Quatro: Narração, serão encontrados conselhos para introduzir carniçais em uma crônica de Vampiro, ideias para crônicas centradas em carniçais e detalhes sobre algumas figuras notáveis entre eles.
O Capitulo Cinco: Modelos, proporciona quatro personagens carniçais prontos para o uso, que podem entrar em uma crônica como um suporte secundário, antagonista ou mesmo personagens jogadores.
Já dissemos o bastante.
A tênue e frágil imortalidade do Sangue o aguarda.
E não beba tudo de uma só vez.