Nasceste em uma sociedade estabelecida com
brutal clareza, e de todas as formas possíveis, que é um
ser humano carente de valor.
—James Baldwin, “Meu Calabouço Tremeu”
A FISIOLOGIA DOS CARNIÇAIS
Saudações, meu nobre e terrível senhor! Passo-lhe o resumo da investigação sobre a biologia dos nossos criados alimentados com vitae que o senhor me pediu. Os dois últimos anos tem sido especialmente frutíferos, e acredito que minhas descobertas são completas a ponto de satisfazer o Dominador mais exigente.
Devo reiterar o quão honrado me senti por esse encargo, assim como pelo generoso suprimento de vitae para sustentar as minhas experiências. Espero somente que meus estudos demonstrem alguma utilidade.
De resto, me surpreende que tão poucos vampiros tenham algo mais do que um interesse passageiro dos aspectos biológicos de seus carniçais. Muitos Membros se limitam a regá-los, como se fossem plantas, deixando-os depois a cargo de suas tarefas. Mas o prudente Cainita conhece a importância de administrar adequadamente os recursos, e os carniçais estão entre os mais produtivos de todos. Certamente, para usá-los adequadamente é preciso conhecer suas capacidades e fraquezas. Tal foi minha reação a sua oferta, como bem recorda, e me alegra poder dizer que sua petição tem feito meus estudos progredirem.
Segue uma sinopse de meus últimos dois anos de trabalho, assim como minhas descobertas prévias ao seu pedido. Estou certo de que os considerarão intrigantes e informativos, e me atrevo a dizer surpreendentes em algumas passagens.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SANGUE
Antes de tudo, para explorar por completo a fisiologia dos carniçais, tive que estudar o Sangue. Até o mais desleixado proscrito Caitiff descobre que o poder reside na vitae; sem ela, suas disciplinas não são mais do que esquisitas, mas impotentes exercícios mentais; sem ela, suas feridas não cicatrizam nunca. E a vitalidade do Sangue não está de todo restrita pelo uso que os não-mortos fazem dele.
O sangue humano (e em menor grau, o dos outros animais) tem um valor nutritivo variável, dependendo do metabolismo do animal que se alimenta dele. Mas a vitae é sempre alimentícia, independentemente da espécie de quem se ingira. Inclusive os animais herbívoros, uma vez que a provem, a beberão toda vez que a for oferecida. Esta sede, todavia, resulta mais facilmente nos animais mais domesticados: eu vi animais tão dóceis quanto ovelhas destrinchando a carne mundana e alimentando-se de sangue mortal com a esperança de que houvesse vitae presente. Mas em nenhum caso adotaram uma dieta carnívora. A condição de carniçal pode impor-se a certo ponto nos instintos de um herbívoro, mas não pode alterá-lo por completo.
Através da observação intensiva dos criados carniçais, é possível determinar quanto o poder de Caim é transmitido por meio do Sangue. Para maior comodidade, enumerarei primeiro os detalhes pertinentes.
Primeiro e principal, um carniçal com uma dieta estável de vitae é capaz de aprender os poderes arcanos transmitidos entre nossa espécie de Senhor para Cria. Certamente, as faculdades mais “instintivas” se dão com mais facilidade; os carniçais aprendem a usar a força sobre-humana quase instantaneamente. Os poderes mais específicos requerem um intenso adestramento. E com frequência o sangue de um clã em particular.
Segundo, a vitae tem um efeito conservador do tecido vivo. Tal como o Sangue impede que nosso tecido morto se decomponha, inibindo o colapso celular em um corpo morto. Enquanto a vitae corre pelo corpo de seu anfitrião, seja humano ou animal, ela detém o processo de divisão e decomposição celular. Com isso, um carniçal não envelhecerá um só dia enquanto se alimentar com vitae Cainita.
Terceiro, os carniçais continuam sendo seres vivos, e curam-se a velocidade normal (claro, se disporem de descanso e alimentação). Porém, também podem usar a vitae ingerida como nós fazemos, para regenerar os seus ferimentos de uma forma muito mais rápida do que permitiria a sua natureza. Isso se estende inclusive a regeneração de membros amputados, supondo que disponha de vitae para tal ato.
(Como uma interessante nota, eu descobri similaridades superficiais entre as enzimas encontradas na vitae de um carniçal e as encontradas em invertebrados como a dos platelmintos; mas nossos próprios processos regenerativos não parecem dever-se a nenhum catalizador externo, pois nossos tecidos estão mortos. Isso me leva a especular que a condição de carniçal pode ser a culminação de uma espécie de proto-disciplina, que permite o crescimento esporádico de tecido vivo, talvez uma forma similar as extravagantes artes demonstradas pelos terríveis Tzimisces.)
Por último, o carniçal pode metabolizar o Sangue para potencializar as suas capacidades físicas, aumentando temporariamente sua força, rapidez, resistência ou agilidade acima das melhorias sobrenaturais que possam ter. Estou certo de sua familiaridade com este processo, e suponho que não preciso me estender mais (novamente, pode-se demonstrar que o processo usa as secreções hormonais naturais do carniçal, suas próprias mitocôndrias, etc. Um processo distinto de nossas próprias capacidades. Curioso.).
Logicamente, estas faculdades têm um preço; o enlouquecedor elixir que chamamos de vitae concede ao carniçal uma capacidade para a fúria demente que rivaliza com a nossa (veio a minha mente a lenda de Hércules; esse “semideus” de força sobre-humana não matou a sua própria família em um acesso de cólera?). Contudo, os inconvenientes da condição de carniçal parecem ser de natureza puramente psicológica. Podem refrear-se mediante a disciplina e a força de vontade, da mesma forma que muitas psicoses relacionadas com o Sangue de clãs como o Toreador.
Tais são as características do típico carniçal. Sabe-se um conhecimento comum, mas os dados verdadeiramente fascinantes estão no particular.
DISCIPLINAS
A natureza de nossos poderes vampíricos é indiscutível. São os poderes do Sangue. Mais concretamente, são os exóticos talentos que podem ser aprendidos por qualquer um com vitae em suas veias. A ênfase esta na palavra “aprendidos”; essas artes não são tão instintivas como, por exemplo, regenerar um membro perdido, nem um processo autônomo como a inibição do colapso celular. A ciência está, porém, em ponto morto na hora de definir com precisão o funcionamento destes poderes: levaria séculos de estudo (sem contar as guerras que travamos todas as noite entre nós mesmos) para descobrir a natureza exata de cada um.
Mas todo Cainita é capaz de dominar as artes de seu clã, ou, com o tempo, talentos mais além. Eu mesmo aprendi um pouco da arte mediante o qual clãs como o Brujah e o Toreador evocam auras emocionais: o estudo e a concentração foram difíceis a princípio, mas não estava tão longe do meu alcance.
Os carniçais tem uma séria desvantagem no que se refere a estes poderes, mesmo que todo carniçal tenha uma compreensão quase instintiva do foco meio-físico, meio-telecinético para a força sobre-humana este instinto surge ao que parece ser um estímulo químico do cérebro ainda vivo, está inextrincavelmente sob Laço de Sangue a um sistema endócrino funcional; a prova está no fato de que todos nós cainitas manifestamos tal força instintiva no Abraço. Como afirmo a partir de minha experiência pessoal. Este poder se manifesta também em animais, o que me obriga a descartar qualquer teoria de causa psicossomática, a menos que o estímulo psicológico seja de natureza tão primitiva (como a resposta adrenalínica de “lute ou morra”), que existia inclusive nos animais invertebrados.
A força surge com bastante facilidade, e um carniçal recém criado pode elevar a sua capacidade de levantamento ao dobro sem treinos. Além disso, qualquer poder arcano mais alto que este nível (com as óbvias exceções da cura acelerada, longevidade e assim por diante) resulta ser extremamente difícil de alcançar para um carniçal. Em um dos casos, comecei a treinar simultaneamente um neófito local (um Gangrel estúpido) e a minha ajudante carniçal os rudimentos de ocultar-se nas sombras. Mesmo o neófito sendo intelectualmente inferior a doutora Reage, ele aprendeu o truque em mais ou menos a metade do tempo que ela levou.
Parece que os carniçais têm mais facilidade para aprender os arcanos físicos (maior velocidade, resistência, etc.) do que para talentos mais especializados. Porém, as habilidades mais sutis não são inalcançáveis. Minha ajudante, por exemplo, não só aprendeu a ter grande força e resistência, como também os princípios básicos do ocultamento, hipnotismo e outras artes mais complexas. Ela demonstrou uma aptidão adequada, mas parece incapaz de aprender coisas mais complexas do que ver auras ou caminhar sem ser vista. Acredito que a potência do sangue do Dominador influi de forma direta sobre os poderes que um carniçal pode alcançar: minha falecida cria (que não voltarei a mencionar), da mesma forma tentou ensinar os seus carniçais as artes vampíricas, mas os desventurados servos não conseguiram avançar mais além dos rudimentos mais pueris. Certamente, sua vitae não carregava o vigor de Caim!
Por último, afirmo que é necessário o sangue de um doador apropriado para que um carniçal adquira certas faculdades específicas de um clã. Minha base para isso é o Caso de Estudo 19-2, no qual fiz com que um Gangrel instruísse três carniçais (escolhidos com níveis similares de acuidade mental), a arte de mudança de forma. Um dos carniçais foi alimentado com o sangue do próprio Gangrel, outro com o de um neófito Toreador, e o terceiro bebeu a minha vitae (neste ponto, devo dizer que eu tenho um certo domínio desta Disciplina). Ainda que o tempo de instrução tenha sido tipicamente lento, o carniçal Gangrel foi o primeiro a aprender a arte da visão noturna. O carniçal alimentado com o meu próprio sangue a aprendeu em aproximadamente 175% do tempo, e o carniçal Toreador não chegou a desenvolver este poder. Nossas linhagens de sangue são verdadeiramente poderosas!
PRESERVAÇÃO DA CARNE
Ainda não consegui isolar a enzima ou o agente transportado pela vitae que impede a decomposição das células; talvez nunca consiga. A natureza de Caim transcende a ciência tal como a conhecemos, inclusive hoje em dia. Mas tenho uma teoria de que o processo entrópico é eletroquímico nos seres vivos, com a vitae “programando” as células para impedir a divisão e a morte. A energia necessária para isso é administrada por um elemento inato e não mensurável do Sangue. Aparentemente, os processos metabólicos da vitae não produzem nutrientes, mas sim energia para alimentar esse estado. É possível alterar este processo mediante um esforço mental (por exemplo, ordenando as células do músculo que se reproduzam para curar um ferimento). Porém, se o Sangue não é canalizado de forma consciente para produzir um efeito sobrenatural, ele manterá por padrão a integridade dos tecidos.
O Sangue, uma vez distribuído pela nossa carne, detêm indefinidamente o processo de decomposição celular.
De fato, os nossos corpos não se decompõem mesmo que não nos alimentemos por séculos; a Morte Final nos precipita esta condição. (uma possível exceção seria a grotesca linhagem de sangue conhecida como Samedi: ao que parece, alguma condição peculiar do Abraço ou de seu sangue acelera a decomposição até chegar ao seu desprezível e semi-putrefato estado, mantendo-o de forma definitiva. Acredito que esta deformidade é de natureza meramente cosmética; o espécime Samedi que observei não mostrava nenhuma deterioração significativa em suas capacidades físicas ou mentais, diferentemente de sua personalidade repulsivamente perversa).
Todavia, se a vitae é administrada às células vivas através de um sistema circulatório em funcionamento, seus efeitos são menos permanentes. Os carniçais não envelhecem biologicamente enquanto retiverem o Sangue em suas veias: se forem privados dele, o envelhecimento recomeçará no prazo de um mês. Como ocorre com os vampiros, um ex-carniçal avança rapidamente até a idade biológica que corresponde aos seus anos de vida, o que pode ser traumático e com frequência fatal quando o Sangue preserva artificialmente um indivíduo mais além do que sua expectativa de vida natural. Prossigo sem estar certo do porquê do corpo de um carniçal (ou um cadáver de um vampiro) não começar a envelhecer no ritmo natural quando o consumo de vitae é interrompido. Pode dever-se a maldição de Caim; outra possibilidade é que tenha no lugar uma reação alérgica uma vez purgada as últimas gotas de vitae.
Uma teoria final sugere que um agente de base química (ou inclusive baseado em energia) presente na vitae tarde mais ou menos um mês para desaparecer do sistema por completo (de novo, os experimentos sugerem que esta duração é quase exatamente a de um ciclo lunar, o que tem muitas implicações interessantes). O tecido extraído de um carniçal vivo não começa a decompor-se de imediato: se comparado com o tecido humano, a putrefação mostra um claro retardamento. A diferença é mínima, e depende do tamanho e da porção de carne cortada: no caso de uns 400 gramas, a diferença é somente notada sobrenaturalmente.
Como uma nota a parte, sua beneficência e pujança me deram a oportunidade de estudar um carniçal de idade avançada; sim, um dos servos do seu rival derrotado era uma espécie de “herança”. De acordo com a sua explicação não confirmada, ele tinha 800 anos. Uma existência tão longa havia realizado vários e curiosos efeitos em sua composição psicológica, incluindo uma paranoia bastante agravada; e mais, parecia ter superado boa parte do poder do Laço de Sangue, mas ainda estava submetido ao seu Dominador morto, temendo a súbita e atroz morte que sem dúvida a privação de vitae causaria. Fisicamente, seu sistema digestivo havia se adaptado muito bem a ingestão de vitae, e parecia processar o Sangue de forma mais econômica, o que lhe dava uma capacidade de armazenamento 140% superior a de um carniçal mais jovem.
Mas a “imortalidade” da condição de carniçal não afeta as glândulas ou outros processos corporais. Os carniçais continuam produzindo saliva, fleuma, ácidos digestivos e os fluídos usuais. As mulheres continuam menstruando a menos que estejam grávidas (ver detalhes mais adiante), e seus cabelos e unhas continuam a crescer na velocidade normal. Resumidamente, é como se o carniçal revivesse o mesmo dia inúmeras vezes: a sua barba pode crescer, seu corpo pode produzir odores e ele pode sentir fome, mas não há nenhuma deterioração da mente ou corpo enquanto o Sangue correr em suas veias. Um carniçal que recebe somente vitae e mais nada para comer ficará debilitado devido a desnutrição, e pode perder um pouco de sua eficácia sobrenatural se o seu corpo metabolizar o sangue para dar conta dos processos vitais básicos.
PATOLOGIA
Apesar de sua imunidade aos avanços do tempo, os carniçais podem adoecer como qualquer outro mortal. A vitae não implica uma imunidade inata à doenças, e um carniçal pode ser vítima de uma enfermidade transmitida pelo sangue, como o HIV, transmitida por um Dominador descuidado. Eu humildemente aconselho que tenha cautela na hora de alimentá-los, meu senhor, mesmo que seja somente para evitar a desnecessária redução dos serviços domésticos!
Certamente, os carniçais não estão indefesos frente as ameaças patológicas. Podem usar o Sangue para curar-se dos sintomas físicos de muitas doenças, tal como podem se curar de lacerações ou contusões. Porém, as enfermidades que provocam uma deterioração prolongada podem ser mais difíceis de resistir. Por exemplo, muitas variedades de câncer não podem ser superadas por meio da vitae. Felizmente, a transformação em carniçal detém o processo do câncer e o transforma em benigno. Mas caso o fornecimento de sangue cesse, o câncer volta a crescer no mesmo ritmo (com frequência frustrantemente imprescindível) que o envelhecimento. Novamente, o resultado pode ser fatal.
A hemofilia e outras doenças inerentes do sangue podem ser contidas facilmente, assegurando o carniçal, pois ele não tem mais o seu próprio sangue em seu sistema circulatório. Certamente, isso requer que uma alimentação constante e frequente de vitae, o que resulta ser problemático. Cada Dominador julga se seu servo vale ou não a pena.
REQUERIMENTOS DO CORPO
Esta “imortalidade” depende por natureza não somente de uma dieta de vitae, mas sim também das necessidades mais básicas, como comida e bebida. O Sangue pode sustentar nossas formas indefinidamente, mas somente ela não basta para alimentar um corpo vivo! Estou certo de que não preciso me estender mais sobre as necessidades básicas do corpo humano: no geral, o tema parece desagradar a muitos Membros. Mas inclusive o mais ativo dos Ventrue, alegremente livre das onerosas exigências da biologia, deveria compadecer-se para não se distanciar demais da experiência humana. Naturalmente, a comida pouco significa para nós cainitas, e muitos vampiros preferem deixar aos seus carniçais a tarefa de se alimentar. Porém, recomendo que se interesse pela dieta dos criados; afinal, nutrição é nutrição, e um corpo saudável pode fazer um uso melhor do Sangue. Uma frágil criança com faculdades físicas sobrenaturalmente melhoradas pode ser um assassino surpreendente, mas se o mesmo receber uma dieta alimentícia e fazer os exercícios adequados, o potencial aumenta gradativamente.
Da mesma forma, os carniçais que tenham alcançado a maturidade sexual (sobretudo os adolescentes) sentem desejos sexuais (inclusive talvez mais do que antes de iniciar a sua dieta de vitae). Acredito que essa necessidade deveria ser pelo menos levada em conta pelo Dominador. Pessoalmente, eu tenho fornecido aos carniçais um incubo ou súcubo, por assim dizer, para saciarem a sua luxúria.
Quanto mais próximos das fantasias dos carniçais, mais satisfeitos estarão os criados. Certamente, não defendo nem muito menos cedo a todos os desejos de um criado: no final das contas, é o carniçal que deve servir aos desejos do Dominador, não o contrário! Um carniçal mimado é um carniçal inútil, e vale mais a pena destruí-lo. Mas um ocasional agrado acrescido de uma tradição disciplinar obtém resultados mais gratificantes, e reforça a lealdade do carniçal mais além do Laço de Sangue, inclusive.
CURA
Acredito que a ciência se encontra um pouco perdida na hora de explicar o processo curativo por meio do Sangue. A citação bíblica “Sangue é vida” parece mais adequada. A vitae é vida destilada; alimenta nossas atividades, preserva nossos corpos em uma aparente saúde, e inclusive simula os processos biológicos de cura.
No caso dos carniçais, a simulação não é necessária. As faculdades regenerativas de um carniçal a princípio parecem idênticas as nossas, mas não é esse o caso. Lembrem-se que um carniçal continua sendo mortal, e portanto, o seu corpo repara com o tempo todos os ferimentos, salvo os mais graves.
Quando um carniçal metaboliza a vitae para curar um ferimento, o que faz é acelerar o seu próprio processo curativo, da mesma forma que pode aumentar sua velocidade ou sua força. Os processos habituais de restauração e reparação de células ocorrem da forma habitual, salvo por sua espantosa velocidade. Isso é bastante distinto das nossas próprias faculdades regenerativas, que imitam o procedimento de cura dos vivos de forma muito mais livre.
A prova disso é muito simples: alguma vez ao curar um ferimento, você viu sobre ele uma casca que depois se desprendeu? Claro que não. Nossa carne morta se limita a crescer novamente, voltando a mesma forma que tinha antes do Abraço.
A única diferença notável no processo regenerativo dos carniçais é a velocidade no qual ele ocorre, com uma exceção. Com o tempo e vitae suficiente, um carniçal pode regenerar órgãos e membros perdidos (logicamente, não é automático, e exige uma deliberada concentração: os carniçais mais jovens ou de vontade mais fraca geralmente são incapazes desta regeneração).
Mas mesmo esta faculdade tem seu precedente na Natureza da própria carne (que está em um nível de estrutura celular e complexidade biológica muito mais evoluído do que qualquer invertebrado), mas isto somente é outra prova das milagrosas propriedades do Sangue, um tema sobre o qual acredito que todos podemos nos mostrar muito poéticos. Mas deixemos isso aos Toreador e voltemos ao tema em questão.
POTENCIALIZAÇÃO
O processo de metabolizar a vitae para incrementar as capacidades físicas é bastante instintivo. A natureza desta potencialização não é de todo distinta ao processo de metabolizar energia calórica, quer dizer, de extrair energia da comida. Porém, não se pode assimilar uma simples digestão: podemos usar a vontade esta força ou velocidade adicionais, não como uma função automática por trás da ingestão de sangue. E mais, a atrofia dos outros sistemas digestivos elimina esta possibilidade... para os outros Membros, certamente.
Não parece possível medir esta energia por trás do sangue mediante instrumentos científicos. Mesmo que os resultados sejam quantificáveis (ver notas anexas sobre a progressão da capacidade de levantamento e a velocidade de reação), o processo mesmo somente é perceptível pelos sentidos melhorados pelo legado de Caim. Mesmo que me aborreça fazê-lo, o cientista que há em mim deve ceder frente ao vampiro e atribuir este poder ao sobrenatural.
SANGUE NAS VEIAS
Os vampiros, certamente, não armazenam sangue em seus sistemas circulatórios, não há necessidade para tal, pois nosso tecido morto absorve o sangue por si mesmo. Mas os vivos devem levar seus assuntos de circulação de forma usual.
Uma vez ingerida a vitae, passa muito rapidamente (como o álcool) pelo sistema circulatório. Satura as paredes interiores do trato digestivo e encontra seu caminho pelas veias, de volta ao coração e a partir dali por todo o corpo. Naturalmente, o sistema circulatório humano tem uma capacidade limitada: não é possível alimentar demasiadamente um carniçal sem não retirar um pouco de seu próprio sangue. Porém, uma alimentação regular aumenta a proporção vitae/sangue. Se alimenta-se toda noite (um incômodo que pode ser muito útil), o carniçal acabará assimilando vitae até que não haja mais nada do seu sangue humano; mas se o abastecimento regular cessar, o corpo metabolizará a vitae (enquanto produz mais sangue para manter o nível) para deter o processo de envelhecimento.
Certamente, usar o Sangue para melhorar as aptidões físicas ou alimentar as faculdades arcanas acelera o consumo, inclusive mais rapidamente do que o corpo pode repor o sangue gasto. Os carniçais imprudentes geralmente ficam sem vigor, como peixes fora d'água, questionando-se porque estão sem forças.
Os sintomas de uma rápida perda de sangue são familiares a qualquer Cainita: recomendo adestrar os carniçais mais valiosos para conservar suas faculdades, deixando a luta no final para os mais prescindíveis.
Eu observei que o corpo humano substitui a vitae em seu sistema com sangue próprio no período de mais ou menos um mês. De fato, esse metabolismo parece ser exatamente o mesmo que um ciclo lunar. Mesmo que alguns filisteus possam zombar e fazer comentários grosseiros sobre a menstruação, creio que esta medida de tempo reflita de fato algo mais profundo. Grande parte do sobrenatural tem sido relacionada, fundadamente ou não, com a lua. A possibilidade de que nossas próprias marés salgadas estejam igualmente reguladas pelo prateado rosto de Hécate não parecer tão remota.
CARNIÇAIS ANIMAIS
Minha investigação não tem sido tão ampla pelo que se refere a fisiologia dos animais carniçais. Não sou um perito em medicina veterinária, e independentemente disso, a opinião majoritária entre os Membros mantém que os carniçais humanos são muito mais úteis. Porém, eu realizei alguns estudos a respeito.
Antes de tudo, devo fazer notar que a conversão em carniçal é eficaz somente em animais acima de um determinado peso corporal. Triplicar a força de um pássaro não tem aplicações práticas, e o animal metaboliza o Sangue em questão de semanas. A verdadeira eficácia se dá a partir dos cinco quilos de peso. (como nota marginal, eu descobri que a alimentação reiterada de vitae ocasiona um aumento de tamanho de alguns animais, talvez uns 5% dos espécimes de teste. Os Nosferatu e (por que me disseram) os Tzimisce parecem os que frequentemente mais provocam este crescimento, uma simples ratazana triplicou sua massa corporal em um período de um ano. É algo que terá que ser investigado mais a fundo.)
Os animais carniçais, mesmo os primatas superiores, estão bastante limitados em sua eficácia sobrenatural. Adquirem o aumento na força comum a todos os carniçais, e também retém o seu envelhecimento. De fato, podem aprender a regenerar seus ferimentos com rapidez, mas é preciso algum adestramento por parte do Dominador para que se deem conta de que podem fazê-lo. Porém, é francamente impossível instruir uma besta carniçal nas artes mais complexas que potencializar suas faculdades físicas. Um cão alimentado com vitae pode rasgar o aço com suas mandíbulas, ou suportar ferimentos de armas de grande calibre, mas não é de se esperar que aprenda mais nada, ainda que possa conversar com ele por meio de algum truque de Sangue Gangrel.
Pessoalmente, atribuo isso a natureza da evolução, representada como uma prova de que os vampiros estão a um passo evolutivo a frente do todavia biológico gado. Os maiores dons de Caim somente estão disponíveis para nós mesmos, provavelmente devido aos nossos avançados estados de pensamento e percepção. Um carniçal, mesmo que tendo recebido o Sangue, não tem a sofisticação mental, sequer espiritual necessária para dominar os poderes acessíveis para o mais fraco neófito. Os animais inferiores estão, porém mais limitados.
No futuro pretendo estender as ideias apresentadas aqui e investigar por completo o cume de nossa capacidade mental e percepção, para explorar melhor minhas teorias da evolução mais além do biológico. Alegra-me dizer que meu Senhor concordou em me ajudar nesta empreitada, e estou seguro de que sua perspicácia será de extrema utilidade.
SANGUE DE CLÃ
E o que ocorre com as características compartilhadas por um clã? As horrendas desfigurações dos Nosferatu e os Samedi, ou os refinados gostos dos Ventrue? De acordo com minhas observações, podem assar um carniçal por meio de uma alimentação regular, mas nunca até o ponto que demonstraria um Cainita.
Obviamente, os “defeitos” de cada clã não se transmitem casualmente com sua vitae. (Do contrário, teríamos casais de “amantes” cainitas de todos os clãs: um Brujah não somente mostraria sua inata tendência à raiva, e sim também o solípede hedonismo de seu companheiro Toreador, para não falar das aptidões arcanas próprias de cada clã. Nossa sociedade se dissolveria frente a um fervente caldeirão Caitiff... ah, devo me desculpar por essa descrição). Mas a forma mortal é algo mais suscetível à mudança que seu marco não morto. Ainda que voltemos toda noite ao penteado e tamanho das unhas que tínhamos antes do Abraço, nossas formas estão “fechadas”, por assim dizer, nas características de nossos clãs. O sangue de nossos senhores se infiltrou em cada uma de nossas células, e somos para sempre Ventrue, Malkavian, Gangrel e assim por diante. (o que é uma terrível desvantagem para os Lasombra e Tzimisce, que não podem aspirar a perfeição que nunca tiveram seus Antediluvianos).
Mas a notável adaptabilidade do tecido vivo não é algo que se possa descartar facilmente. Alimentando um Cainita são com uma dieta contínua de vitae Nosferatu, e (a parte de uma possível náusea física), continuará tão saudável e charmoso como sempre. Mas um mortal com a mesma dieta acabará por desenvolver uma complexidade pior. Um carniçal não chegará nunca a alcançar os mesmos extremos fisiológicos que seu Dominador (imagine a lamentável sorte dos Samedi em tal caso!).
Mas podem mostrar características reconhecíveis de seu “clã”.
Mas nem sempre é assim. Alguns mortais mostram certa resistência aos “defeitos” do sangue de muitos clãs. Meus estudos sugerem que talvez um carniçal em sete mostre a dita imunidade às características de linhagens específicas, mas não passa de suposição. Suponho que esses resistentes humanos são mais desejáveis como carniçais e, portanto, é mais provável que sejam mantidos indefinidamente. Esta imunidade parece ser antes de tudo de natureza genética, um traço recessivo. Porém, também é possível, dadas as variáveis características da vitae de cada clã, que esta imunidade seja um traço adquirido por alguns carniçais. Por ora não posso dar detalhes concretos. Creio que somente um estudo sobre algumas gerações de carniçais possa responder com certeza. Basta dizer que a imunidade existe, e os estimulo a usar essa informação como for possível para que o tempo nos permita uma maior clareza.
OVERDOSE
Já que estamos falando de assuntos da biologia relativos a dieta, considero necessário dizer uma ou duas coisas sobre a superalimentação. Sim, os carniçais podem beber vitae em demasia. Isto é, logicamente, um fenômeno pouco comum (a maioria dos cainitas não tem uma reserva de sangue tão grande como para que seus carniçais possam cair com voracidade. E entre os que as tem, também é bem raro – novamente, para que mimar um criado?).
Se um carniçal recebe uma overdose (quer dizer, ingere sangue até que suas veias e seu estômago fiquem cheios de vitae), ocorrem algumas peculiaridades.
- Primeiro, aumenta a capacidade de frenesi, como se o carniçal tivesse uma Besta similar a nossa.
- Segundo, a saturação da vitae afeta a geração de fluídos; suas lágrimas, suor, saliva, mucosa, sêmen e outras secreções estão impregnadas de vitae, mostrando uma coloração de pele avermelhada e um certo aroma de Sangue.
- Terceiro: se a vitae é em sua maior parte de somente um clã, o carniçal adotará totalmente qualquer deformação desta linhagem.
- Por último, o sangue do carniçal torna-se muito oxigenado, o que afeta as funções cerebrais. A vantagem disso é que a velocidade de reação aumenta ligeiramente, permitindo resultados superiores em situações de perigo. Porém, o carniçal também se mostra propenso a alucinações, e pode ficar perigosamente errático. Em alguns carniçais, eu observei que a overdose pode causar uns efeitos similares a paralisia por descompressão. As transmissões de oxigênio e nitrogênio no Sangue causam intensa dor e paralisia a estes infelizes: quem carece de sagacidade (ou resistência) para metabolizar o sangue de imediato e anular a overdose pode inclusive morrer.
ABSTINÊNCIA
Certamente, o fenômeno da abstinência é igualmente interessante. Nesse estado, material de muitos rumores e escassas análises concretas, me levam a concluir que o melhor é destruir os carniçais desobedientes ou ineficazes, e que a maioria dos servos devem ser recompensados e castigados por meios distintos do Sangue.
O Sangue não é, pelo que entendo, fisicamente viciante como a heroína ou a nicotina. Mas as ramificações psicológicas da abstinência podem ser muito mais nocivas, tanto para o carniçal como para aqueles que o rodeiam. Sem a substância que se transformou no centro de sua existência, o carniçal se vê patológica e desesperadamente ligado como um viciado ao qual lhe é negada a sua dose de droga: ele suplicará, exigirá e em alguns casos inclusive tentará tomar a força o vitae de seu Dominador ou de outros vampiros. Esses patéticos espetáculos geralmente são risíveis no geral, mas o Dominador prudente conhece a conveniência de tomar todas as precauções a respeito.
É um caso extremo de psicose de abstinência que provoca este comportamento, que pode ter levado a conotações negativas da palavra “carniçal”. O mortal vítima de abstinência, sentindo um vazio, uma necessidade, e tendo sido privado dos meios legítimos para satisfazer suas ânsias, normalmente sublima a sede de sangue em uma necessidade de substâncias conseguidas de uma forma predadora similar. Lembrando do aumento do apetite carnal de seu cérebro impregnado de Sangue, o carniçal embarca em um selvagem ímpeto totêmico, tentando desesperadamente preencher o seu vazio com os corpos de seus iguais mortais. Este fenômeno é, certamente, uma reminiscência de certas sociedades tribais primitivas cujos membros devoravam seus inimigos para absorver sua coragem ou seu poder. Para a sorte da nossa Máscara, certamente, a sociedade americana já se acostumou, até com um certo aborrecimento, com os casos de “assassinos canibais” e similares.
A REPRODUÇÃO DOS CARNIÇAIS
Como já disse antes, a capacidade reprodutiva do carniçal médio não está em absoluto condicionada por sua dieta de vitae. De fato, as provas sugerem que a estimulação do fluxo do sangue durante a relação sexual melhora a experiência, mesmo que nem sempre de uma forma que os participantes achem adequadamente agradáveis (ver Casos de Estudo 33-1, 33-2, 33-3, 33-4, 33-5, 33-6, e 33-7). Porém, o prazer orgásmico não é o tema mais relevante para um mestre Cainita. São muito mais interessantes os aspectos relativos a concepção: especificamente, os detalhes gestação e o parto (mesmo que os carniçais machos sejam bastante viris para funcionar adequadamente como reprodutores, a vitae em suas veias tem muito menos influência sobre as características de sua prole).
Se uma carniçal com uma dieta regular de sangue ficar grávida, seu filho também será um carniçal quase sempre. É interessante observar que a influência positiva da vitae vampírica é transmitida através da placenta, pelo que a conversão em carniçal tem lugar de forma quase imediata uma vez que o óvulo foi fecundado se prende a parede e começa a se desenvolver. Como já disse antes, o retardo do processo de envelhecimento freia os processos de reprodução e destruição de células. E este efeito se dá sobre o feto igualmente como sobre a mãe: enquanto estiver recebendo seu suprimento de vitae, o embrião não pode reproduzir suas células, não pode crescer nem maturar. A menos que a mãe interrompa sua dieta de vitae, não poderá dar à luz ao seu filho.
Naturalmente, isso acarreta alguns problemas para criar carniçais. Não é possível usar as carniçais mais velhas como mães, especialmente se já tiverem deixado para trás sua expectativa de vida natural. Esta complicação tem levado vários vampiros a criar carniçais masculinos exclusivamente, pois podem gerar filhos sem impedimento para suas funções habituais (se o carniçal é parte de uma cultura humana que fomenta a natalidade elevada, tanto melhor. As pessoas que fazem parte destes programas podem ser vistas socialmente como modelos de virtude familiar... mantendo a Máscara e proporcionando uma deliciosa ironia).
Transformar em carniçal uma fêmea grávida pode criar outras complicações. Para começar, é possível que o feto desenvolva a típica força sobre-humana dos carniçais, frequentemente com desastrosos resultados. A idéia de transformar em carniçal a mãe para dar a ela uma resistência sobrenatural durante o parto é outra proposta arriscada. As afinidades da mãe fariam-na adquirir primeiro a Potência, e as tensões do parto poderiam fazê-la perder o controle de sua nova força sobrenatural e matar a criança.
OS REVENANTES
Naturalmente, nenhuma exposição sobre a reprodução dos carniçais estaria completa sem atender o tema dos mal denominados revenantes: as famílias carniçais do Sabá. Certamente, estes seres degenerados canibais e necrófilos encarnam até a última conotação da palavra “carniçal”, mas de um ponto de vista mais psicológico do que fisiológico. Portanto, reservarei as minhas opiniões, perguntando-me somente pela razão deste nome (o significado original “aquele que retorna” parece ser melhor aplicado à Cainitas do que a um ser vivo). De qualquer forma, para dar continuidade, permanecerei referindo-me a essas crias infernais como “Revenantes”.
Pelo que descobri até esta data, pelo menos três famílias carniçais servem ao Sabá. Eu descobri os sobrenomes de duas delas; os Bratovitch e os Zantosa, mas o terceiro continua me enganando, a endogamia é muito comum entre estes carniçais, e frequentemente manifestam deformidades genéticas propícias a tal ato. Resultado de um intensivo programa de criação iniciado há séculos, os Revenantes tem vivido tanto tempo com a vitae em suas veias que se veem capazes de produzir o Sangue por si só, ainda que certamente seja menos potente.
(A partir de amostras de vários Revenantes de diversas idades e linhagens, e comparando seu sabor com o da vitae Toreador que me foi proporcionado, posso dizer com total sinceridade que o sangue dos Revenantes é muito inferior. Metaforicamente falando, se a vitae vampírica é um néctar e o sangue humano uma simples cerveja, a dos Revenantes é similar a um vinho de qualidade variável: não se pode ser comparada à vitae vampírica, mas tem força e caráter. Porém, o sangue dos Revenantes mais afetados pela endogamia geralmente é identificada por um sabor restante tânico. Evite se alimentar de pessoas cujos pais são parente muito próximos).
Mesmo que os Revenantes continuem dependendo do Sangue ingerido para deter o envelhecimento, suas reservas naturais apontam muitas vantagens. Seu próprio Sangue é bastante poderoso para acelerar o processo curativo. Podem aprender e usar as artes dos Membros com grande facilidade, e o sujeito que eu examinei mostrou um nível de domínio arcano comparável com o de um neófito. Também podem usar seu Sangue para alimentar estas artes, ainda que essa prática possa debilitá-los se metabolizarem muita vitae própria. Seu processo de envelhecimento é mais lento, e estimo que um Revenante, mesmo que sem ingerir Sangue Cainita, envelhece quatro vezes mais devagar do que um humano normal.
Posso antecipar sua próxima pergunta: se seu período de fertilidade é tão prolongado, porque não estamos saturados de crias Zantosa? Para responder em termos de séculos, o retardo no processo de envelhecimento afeta também os jovens. O período de gestação que observei em uma mãe Bratovitch durou cerca de três anos, aproximadamente um ano por trimestre. Pelo que sei, uma criança revenante demora cerca de 50 anos para alcançar a puberdade. Obviamente, essas crianças não passam mais do que poucos anos seguidos em colégios públicos. É de se supor que um Dominador que possa alterar a carne será capaz de lhe dar uma aparência adulta, mas o sistema endócrino concede a verdadeira maturidade no seu próprio ritmo.
Os efeitos psicológicos de uma infância tão prolongada são igualmente fascinantes, mas creio que minha ajudante está mais qualificada para aprofundar esse tema.
CARNIÇAIS PRODÍGIOS
Finalmente, você irá me perguntar, o que ocorre ao converter um magi, lupino ou outras criaturas sobrenaturais em carniçais. Lamento comunicá-lo que, até esse momento, meus estudos nesse campo estão incompletos. Porém, eu fiz alguns progressos nos últimos anos.
Devido a dificuldade de conseguir prisioneiros Lupinos vivos, me vi obrigado a recorrer ao subterfúgio para fazer experiências com eles. As vantagens de ter uma dessas máquinas de matar Vinculadas, e cheias de Potência... mas infelizmente, não é fácil. Os Lupinos parecem violentamente alérgicos a vitae, vomitando imediatamente após ingerir o Sangue. Pelo menos isso ocorreu nos lupinos observados; talvez esta alergia seja um traço genético, ausente em lobisomens de outras linhagens. Novamente, a impossibilidade de dispor de sujeitos tratáveis, inclusive para Cainitas de meus recursos, limita a experimentação.
Porém, prosseguir qualquer estudo genético requer mais tempo que disponibilidade. Ao invés disso, dediquei meus estudos a outros propósitos paralelos, incluindo a possibilidade de transformar em carniçal um dos “sábios”. O mago que observei (associado a um Toreador local, e pertencente a uma espécie de escola epicúria e dionisíaca) reagiu ao Sangue como qualquer outro mortal. Isso reforça minha teoria de que os magos não são mais do que mortais, mesmo que tenham alguns conhecimentos arcanos.
A princípio considero risível a idéia de transformar um fantasma em carniçal, algo como recolher água com uma peneira. Mas um ancilla Samedi me convenceu que alguns fantasmas são capazes de assumir forma física durante um breve período de tempo, comendo e bebendo como uma pessoa normal. Mas devo dizer que um espírito materializado carece da biologia de um ser vivo. Uma forma ectoplásmica pode imitar a carne somente até certo ponto, e reproduzir adequadamente o sistema digestivo seria inútil, se não impossível. Parece que os fantasmas estão completamente distantes do reino biológico, meu campo de interesse, e que continuarão assim.
E o que ocorre com as fadas? Você irá me perguntar. Ou com os lacaios demoníacos dos satanistas do Sabá? Receio que, carecendo de acesso a espécimes identificáveis, ou inclusive a provas de sua existência, devo confessar minha ignorância.
UMA ÚLTIMA NOTA
Isto é uma versão abreviada de minhas descobertas. Se desejarem exemplos e explicações mais detalhadas, me informem que eu os providenciarei. Eu tenho agregado parte de um trabalho realizado por minha assistente, a doutora Nancy Reage, sobre a psicologia dos carniçais. Sua perspectiva é muito revigorante (e certa em grande parte), e acredito que concordarão que não há nada mais qualificado para falar da psicologia dos carniçais do que um carniçal culto e preparado. Considero que os ocasionais lapsos de objetividade da doutora fazem o seu trabalho mais informativo.
Espero que esses dados sejam úteis. E que poderão ser aplicados com bons resultados sobre os seus próprios criados. Novamente, agradeço os recursos e a oportunidade de explorar esta matéria para o benefício de nossa espécie.
Humilde e respeitosamente seu,
Douglas Netchurch
Cria de Trimeggian
Cria de Addemar
Cria de Lamdiel
Cria de Malkav
UM EXTRATO DE “PERSPECTIVAS ATUAIS DA PSICOLOGIA DOS CARNIÇAIS”
Por Nancy O. Reage, Ph.D.
As características psicológicas individuais dos carniçais estão determinadas em grande parte por fatores distintos: a personalidade original do carniçal antes da transformação, e as características psicológicas de seu Dominador (“mestre”) quando o sangue entra em suas veias. Estes fatores se complicam pelas reações do novo carniçal a sua “herança” e seu “meio”.
A herança a qual me refiro é o sangue que o carniçal herda de seu Dominador inicial, enquanto que o meio abrange as situações sociais e emocionais nas quais o carniçal se encontra imediatamente após a transformação.
Tal transformação tem um papel muito importante no desenvolvimento psicológico do carniçal. Muitos vampiros transformam em carniçais os humanos sem seu prévio consentimento.
Quando uma pessoa se transforma em carniçal, experimenta uma reação similar em alguns aspectos a uma versão resumida da puberdade.
Fisiologicamente, o carniçal sofre profundas tensões causadas por um súbito desequilíbrio químico quando a vitae vampírica impregna o sistema endócrino, a medula espinhal e o cérebro.
Enquanto isso ocorre, o humano enfrenta um problema psicológico: quem o traiu (o monstro que o enganou para que o sirva) se transforma em seu salvador (o que lhe proporciona o “elixir da vida”). Há então uma barganha com o diabo: grandes poderes concedidos sem o consentimento. Esta reação misturada a transformação, junto com as tensões endócrinas já mencionadas geralmente provocam flutuações emocionais drásticas similares as mostradas por maníaco-depressivos (Veja o Caso de Estudo 66-2).
Após receber a terceira dose de sangue de um mesmo vampiro, o carniçal demonstra um tangível e profundo vínculo emocional sobre ele, e as vezes à sua família vampírica, o “clã” (é sempre a terceira dose, independentemente do peso corporal, o estado emocional ou outros fatores: um segurança de 90 quilos não assume esse “Laço de Sangue” não mais do que uma criança de 15 quilos). Mesmo que o Laço se caracterize por sintomas como o aumento das batidas do coração, respiração acelerada, a excitação sexual e as secreções de estrógeno/testosterona, o catalizador parece ser puramente psicológico. Em outras palavras, o Laço de Sangue é, resumidamente falando, de caráter psicossomático.
Em pessoas com problemas de compulsão ou vício em suas vidas mundanas, os efeitos do processo de Vinculação podem ser emocionalmente traumáticos. Ao receber as primeiras duas doses de sangue, o carniçal sente o que pode ser classificado como uma intoxicação histérica similar a causada pelas anfetaminas, provocada neste caso pela interação química entre seu sangue e o do vampiro.
Demonstram uma extrema energia e sentem-se sobrenaturalmente vibrantes e robustos. Porém, à medida que as doses se diluem no corpo humano, estes efeitos se dissipam entre duas e quatro horas posteriores a transfusão.
Após receber a terceira dose de sangue do mesmo vampiro, o carniçal se vê mais ou menos “viciado” no sangue de seu Dominador; que esta atração seja psicossomática ou não é irrelevante para efeitos práticos. O carniçal chegará até qualquer extremo para ingerir ou injetar doses maiores, mais frequentes e mais concentradas de vitae vampírica. Em testes de laboratório, ratos carniçais dispensavam água e comida, necessitando somente do sangue vampírico como sustento. Após ingerir a terceira dose de sangue, deixaram de dormir e se exercitavam em suas rodas durante períodos dez vezes mais longos que antes de estarem sob Laço de Sangue. Nos humanos sob Laço de Sangue, a necessidade de sangue vampírico se faz tão apressadamente que o carniçal fica completamente obcecado em agradar o seu Dominador. Frequentemente, esta dependência afetiva, a aprovação e o sangue do Dominador evolui até o que muitos carniçais consideram como uma relação de amor, mesmo que muito dependente e muitas vezes masoquista. Não é raro que o carniçal se mostre cego aos defeitos de seu Dominador e o “coloque em um pedestal”. Para o carniçal sob Laço de Sangue, seu Dominador não pode fazer nada de mal; ele lhe dá sua transcendental vitae, um dom pelo qual ele deve amor e devoção eternos. Mesmo que seu mestre costume castigá-lo fisicamente com estrema severidade (ver Caso de Estudo 66-4).
Muitos Dominadores não tratam os seus carniçais de forma tão negativa. São conscientes de que para que um carniçal obedeça as suas ordens, ele deve ser premiado de forma consistente, ou ao menos ser tão viciado em vitae vampírica que salive de antecipação ao mero sinal de que seja encarregado de uma árdua tarefa.
A maioria dos Dominadores segue esse método Pavloviano de disciplina e condicionamento do carniçal para propósitos gerais. Mas alguns empregam métodos disciplinares mais severos.
Certos mestres vampiros, normalmente vítimas de desordens neurológicas e psicoses (comparar os Casos de Estudo 14-2 e 14-5), usam os seus carniçais como “alfineteiros humanos”; seres conscientes aos quais podem submeter a torturas físicas e emocionais.
Contrariando a idéia de uma fixação “sobrenatural” comum entre os Membros, eu formulei a hipótese de que esses Dominadores sejam vítimas de desequilíbrios químicos. Cometem tais atos para liberar o excesso de hormônios transportados pela vitae, como a testosterona, que podem provocar comportamentos voláteis ao reagir negativamente com neurotransmissores como a endorfina, a dopamina e a serotonina. Como eu comprovei em minha investigação, esse excesso de hormônios nos Dominadores abusivos reflete a composição hormonal comum em humanos que abusam de crianças, estupradores, assassinos em série, etc. Em muitos casos em que um Dominador sofre este tipo de desequilíbrio químico, o mesmo pode ser transmitido ao novo carniçal por meio do sangue.
Mas a psicose dos Membros é um tema para outra ocasião.
Em qualquer caso, essa sucessão de estímulos contribui ao dualismo da personalidade do carniçal típico: num momento é submisso e servil, em outro tem um surto violento e sente uma tremenda necessidade de libertação física de alguma espécie (como muitos leitores sabem, sem dúvida, um carniçal que mostra estes acessos deve ser frequentemente preso até que seu Dominador sede-o ou a intensidade da vitae se dissipe).
Os efeitos da vitae vampírica podem demorar desde poucos dias até três semanas para reduzir sua intensidade. O carniçal geralmente se sente abandonado neste período, e depois quando as explosões baixam, é normal que experimentem um período de severa depressão até receber outra dose de sangue.
Os Dominadores devem alimentar seus carniçais com sangue pelo menos uma vez ao mês; no final da terceira semana sem o proverbial “pico”, o carniçal demonstra tendências suicidas se sentir que corre o risco de não ser provido.
Este ciclo maníaco-depressivo dos carniçais, conhecido coloquialmente como a Síndrome de Reinfield, não é raro, e inclusive os Dominadores que não tem desequilíbrios químicos parecem desfrutar da sensação de poder ao tratar severamente os carniçais “maus”.
Obviamente, a Síndrome de Reinfield não será nunca objeto de estudo acadêmico: porém, eu tomei a liberdade de classificar a desordem como uma forma de psicose biogenética (uma psicose associada com condições físicas conhecidas).
O doutor Netchurch me informou saber que os vampiros da seita rival da Camarilla, o Sabá, exibem bizarras, mas inquestionavelmente avançadas, teorias sobre o estudo dos carniçais.
Em particular, ele mencionou que um clã vampirico do Sabá, o Tzimisce (zuh-MEE-see, d'ZY-muh-zee), que refinou o estudo e o transformou em uma ciência desconhecida entre seus inimigos da Camarilla. Infelizmente, as hostilidades entre as seitas, assim como os costumes do próprio clã (que são, segundo todas as referências, extraordinariamente antissociais), tornam improvável a troca de dados.
PERTURBAÇÕES
Os carniçais são tão propensos as Perturbações como os vampiros... de fato, poucos, inclusive até mais, dada a sua posição servil e submissa aos seus mestres abusivos.
Os carniçais podem adquirir Perturbações da mesma forma que os vampiros, e o Narrador pode permitir uma determinada se, por exemplo, o personagem tenha sofrido abusos particularmente cruéis, se for obrigado a trair seus entes queridos, matar o próprio filho em um frenesi...
As Perturbações mais comuns entre os carniçais são: Obsessão, Depressão Maníaca (a Síndrome de Reinfield), Regressão e Narcisismo.
Os carniçais também podem sofrer Perturbações exclusivas de sua espécie, descritas a seguir.
OUTROS DISTÚRBIOS FREQUENTES ENTRE OS CARNIÇAIS
* Psicose Dismenorréica Severa (PDS): Este distúrbio se manifesta entre 30% e 40% das mulheres carniçais “sãs” que continuam a ter ciclos menstruais regulares após a transformação. Além das dolorosas cólicas menstruais, a vítima sofre acessos graves de depressão e delírios paranóicos durante o período.
Estes episódios geralmente duram entre cinco e sete dias, dependendo da duração média do ciclo menstrual da carniçal e da quantidade de sangue ingerido durante o ciclo.
Porém, se a carniçal não tiver ingerido sua dose mensal mínima de vitae vampírica quando o ciclo se iniciar, a perda do sangue terá efeitos psicológicos traumáticos.
A carniçal se sentirá a ponto de morrer, e se tornará extraordinariamente paranoica frente à possibilidade de não ser atendida por seu Dominador. No pior dos acessos, a carniçal se mostrará histérica frente a qualquer falta, com um medo literalmente mortal de que seu Dominador não irá repor a parca reserva de vitae em sua corrente sanguínea.
Não há cura conhecida para esta Perturbação, mas o doutor Netchurch formulou um soro que alivia alguns dos sintomas.
Esta droga não foi aprovada pela administração, e somente está disponível no mercado negro ou mediante a permissão expressa do doutor Netchurch.
(Como Perturbação: Durante as condições apropriadas, a carniçal perde temporariamente dois pontos de Força de Vontade. Estes pontos retornam ao final do período menstrual.).
* Histeria Animal: A Histeria (o popular “frenesi”, como é chamado nos círculos vampíricos), é uma constante ameaça para muitos carniçais, inclusive os que parecem preservar o controle de usa natureza alterada. Este distúrbio de conduta pode afetar o carniçal em qualquer momento (com frequência, o que é muito constrangedor, frente aos mortais). Por sorte, na maioria dos carniçais, isso é uma condição temporária.
O carniçal, frequentemente ignora que sua “Besta” (natureza vampírica) está tomando o controle, sentindo grande vergonha e culpabilidade frente aos humanos. Após um destes episódios, geralmente temem o castigo do Dominador, que pode descobrir instintivamente que o ataque aconteceu mesmo estando ausente (ver Caso de Estudo 15-4, relacionado a mim mesma e o doutor Netchurch).
A Histeria Animal é ativada por estímulos sensoriais, ambientais, físicos ou emocionais que o carniçal interpreta como negativos: sentimentos de inferioridade frente ao Dominador, ser abandonado pelo Dominador, que o Dominador sofra danos, overdose ou carência de sangue vampírico, sentimentos românticos para com o Dominador não correspondidos, grave perigo físico, ser obrigado a cometer atos que violam seus códigos éticos, morais ou culturais.
Na realidade, qualquer situação tensa pode provocar um frenesi em um carniçal; os motivos podem variar segundo as percepções e experiências do carniçal.
A eletroconvulsoterapia (ECT, o popular “eletrochoque”) tem sido usada com mais eficácia nos tratamentos de diversos ataques de frenesi do que várias drogas. Visto que em 80% dos sujeitos de estudo, os sintomas da histeria cessaram em um prazo de cinco horas, é melhor que não seja administrado nenhum tratamento.
Porém, nos casos em que o carniçal se mantém em frenesi por mais de 48 horas seguidas, pode não responder a nada além da lobotomia ou a hipnose.
O tratamento com drogas deve ser evitado, pois muitos dos psicotrópicos disponíveis tem contraindicações em uma corrente sanguínea com vitae. Estas drogas podem, de fato, aumentar a intensidade dos sintomas.
(Como Perturbação: Todos os carniçais correm o risco de entrar em frenesi, mas um carniçal que sofra desta Perturbação deve fazer seus testes com uma dificuldade similar ao dos vampiros.
Os revenantes da família Bratovitch sofrem automaticamente de uma fraqueza similar e não podem adquirir esta Perturbação).
* Síndrome de Autoflagelamento: Mais conhecido como masoquismo, esta Perturbação acontece frequentemente entre os carniçais, particularmente os que rendem vassalagem à Cainitas “anciões”. Os servos em questão parecem sentir uma atração compulsiva para com as situações ou relações que sabem que lhes causaram extrema dor (e frequentemente em detrimento de suas relações mortais). Fazem numerosos sacrifícios, muitas vezes desnecessários, em nome de seus Dominadores. Estes carniçais geralmente tem problemas com outros carniçais, mortais ou vampiros que os tratam com respeito.
Ao contrário da opinião geral, muitos destes carniçais não desfrutam da dor e do sofrimento: alguns simplesmente temem enfrentar seus Dominadores. Outros sofreram abusos ou agressões sexuais em sua vida mortal, e não conhecem outro tipo de tratamento. Outros negam serem vítimas de abusos, pois acreditam que devem fazer sacrifícios em troca da vida eterna que seus Dominadores lhes outorgaram. Por último, alguns racionalizam que estão sendo justamente castigados por seus “pecados” contra Deus.
Esta perturbação geralmente fica sem tratamento, pois muitos Dominadores preferem que seus carniçais sejam submissos. A promiscuidade é frequente no carniçal, que pode sentir satisfação sexual na dor, pensando que essa é a única forma de receber atenção de seu Dominador.
(Como Perturbação: A Natureza do carniçal passa a ser Masoquista ou Mártir. O personagem somente irá recuperar a Força de Vontade cumprindo os requisitos da sua Natureza, sem receber outros conceitos [isto é, não recebendo nenhum ponto automático ao final da história, etc.].).
* Distúrbio de Personalidade Dependente: O carniçal mostra uma grande dependência de alguma outra pessoa,
normalmente o Dominador ou qualquer contato humano que manteve após a sua conversão. Um carniçal afetado por este distúrbio de personalidade tende a ser extremadamente indeciso (se dependesse dele, seu Dominador teria que decidir que roupa usar, o que comer, com quem se relacionar, quando ir para cama e como se divertir).
Grande parte deste comportamento se deve a um excessivo medo de ser abandonado. Temendo ficar só, o carniçal tolera qualquer tipo de abuso para evitá-lo.
Quanto mais tolera o controle alheio sobre ele, mais indefeso e estúpido se sente, o que o desestimula a tomar medidas para resolver a situação.
Logo, a perturbação fica sem tratamento enquanto a insegura conduta do criado é fomentada pelo Dominador.
(Como Perturbação: A vítima deve fazer um teste de Força de Vontade - geralmente contra uma dificuldade de 6 - para rechaçar uma ordem ou sugestão de seu Dominador. Com frequência sua Natureza muda-se para Bajulador).
Deve-se levar em consideração que nem todos os carniçais mostram estes comportamentos erráticos; nem todos tem desordens de personalidade ou conduta.
Muitos carniçais tem relacionamentos saudáveis com seus Dominadores, e muitos Dominadores demonstram respeito e admiração para com seus carniçais. Conheço o caso de uma carniçal que foi salva de uma deterioração física por um humanitário Dominador que a transformou em carniçal antes que a enfermidade de origem genética se manifestasse.
As relações dos carniçais com os humanos, os vampiros e entre si são tão complexas como as relações entre diversas espécies do mundo animal. Para avançar em nossos conhecimentos, devemos realizar mais estudos e investigações.
Há uma grande necessidade de fundos e apoio se a comunidade vampírica quiser aprender mais da misteriosa natureza dos carniçais.
ESCOLHA O SEU VENENO
(Regras Opcionais)
As seguintes regras sobre ingestão de sangue adicionam um certo grau de realismo ao processo de criação de carniçais, mas confere um maior trabalho de contabilidade e complexidade. Recomendamos reservá-las somente as crônicas nas quais os personagens sejam carniçais, ou em que estes tenham papéis importantes.
Um carniçal tem uma Reserva de Sangue potencial de 10, como um humano ou um vampiro de 13ª geração, mas normalmente se comporta como sangue humano. Um carniçal não pode simplesmente ingerir cinco Pontos de Sangue de uma só vez. Um carniçal humano pode beber comodamente até dois Pontos de Sangue (essa é a quantidade que o trato digestivo suporta). Esta vitae transportada no estômago basta para dar poder ao carniçal, mas o máximo é de dois Pontos de Sangue: continuar bebendo não produz efeito a menos que se arrisque uma overdose (veja a seguir). Se um carniçal quiser armazenar mais vitae de imediato, deverá renunciar um pouco do sangue do seu sistema circulatório. No geral, o Dominador sangrará apropriadamente o carniçal (sucesso automático); um independente terá que agir como um doador e recorrer a Cruz Vermelha, ou fazê-lo em sua casa (Inteligência + Medicina, dificuldade 6). Um teste bem sucedido permite ao carniçal extrair seu sangue e substituí-lo com o do seu Dominador sem perder Níveis de Vitalidade no processo; se o teste falhar, ele perderá entre 1 e 3 Níveis de Vitalidade (de acordo com o Narrador) causando a perda de sangue durante a transfusão.
REGRAS RÁPIDAS E DIRETAS
A seguinte lista em ordem alfabética mostra a mecânica do sistema para os poderes dos carniçais e sugere soluções para várias situações que pode acontecer em jogo.
* Abstinência: Os carniçais em abstinência sofrem sintomas durante um período de (6 - Vigor) semanas.
Quando surgir a oportunidade de conseguir vitae, o carniçal deve ser bem sucedido em um teste de Autocontrole (dificuldade 7), ou tentará beber como puder.
Porém, a cada semana de abstinência requer que o carniçal faça um teste de Inteligência + Autocontrole (dificuldade 6); se falhar, o personagem começa a sublimar sua ânsia de vitae em um desejo de sangue humano, carne ou sexo.
É preciso gastar um ponto de Força de Vontade para sobrepor-se a estes apetites.
Se o teste fracassar, não é possível gastar a Força de Vontade, e o personagem deve atuar segundo seus impulsos.
* Animais Carniçais: Consultar o Capítulo Quatro.
* Disciplinas: Os carniçais tem muito mais dificuldades para aprender Disciplinas do que os Membros. Os poderes transmitidos por Caim somente alcançam todo o seu potencial em seus filhos, e são praticamente alheios ao sistema humano.
Como regra geral, um carniçal só pode aprender as Disciplinas conhecidas por seu “doador” mais recente (as exceções são as artes “físicas” de Potência, Fortitude e Rapidez, as mais instintivas para estarem ao alcance de qualquer carniçal). Um independente que queira aprender Tenebrosidade deverá passar um tempo alimentando-se com vitae Lasombra; do mesmo jeito, é improvável que o lacaio de um Malkaviano aprenda Necromancia. Não obstante, uma vez que uma Disciplina é aprendida, qualquer vitae a permitirá ser usada; os revenantes podem inclusive usar a sua própria vitae para alimentar artes estranhas, como Serpentis.
Uma vez que o carniçal tenha aprendido uma Disciplina, o conhecimento permanecerá com ele mesmo que passe um tempo sem praticá-la (por exemplo, se o fornecimento de vitae for cortado). Uma vez reiniciada a dieta, as Disciplinas poderão ser usadas da forma habitual. Certamente, qualquer talento não usado acabará se atrofiando: após seis meses sem beber vitae, o carniçal perde um ponto de Disciplina, e depois outro a cada mês até que todos desapareçam.
Se tiver mais de um ponto em alguma Disciplina, por ter se alimentado de vampiros de baixa geração, estes são os que perdem primeiro. E mais, se tiver várias Disciplinas do mesmo nível, as primeiras a desaparecer serão as menos familiares; Potência, Fortitude e Rapidez são as que ficarão por mais tempo. O ponto inicial de Potência é sempre o último a desaparecer (Esta regra é aplicada também aos carniçais com um fornecimento de vitae estável, mas não tem acesso ao Sangue de vampiros de baixa geração que possa sustentar seus maiores talentos. Um carniçal com Fortitude 2 que se alimente somente de Cainitas de 11ª geração acabará ficando com Fortitude 1).
Por exemplo, um Dominador de 6ª geração de Raoul foi assassinado há seis meses, e ele não tomou nenhuma gota desde então. A serviço de seu Dominador, ele tinha desenvolvido Potência 2, Fortitude 1 e Auspícios 1, mas os dias de glória terminaram. Primeiro, ele perde um ponto de Potência, sua Disciplina com nível mais alto. Um seco mês depois, Raoul perde seu modesto nível de Auspícios. Duas semanas depois, consegue beber um pouco de vitae. Consideramos agora que tenha Potência 1 e Fortitude 1; para recuperar seus níveis perdidos, deverá aprendê-los novamente mediante o estudo e o gasto de pontos de experiência. Não poderá aprender novamente Potência 2 a menos que disponha de um fornecimento estável de vitae de um vampiro de no mínimo 7ª geração.
Nenhum carniçal pode usar nenhuma Disciplina se não tiver pelo menos um ponto de vitae em seu sistema. Ainda que possa saber como usar o Sangue, este conhecimento não é de muita utilidade para um mero humano.
Envelhecimento: A imunidade de um carniçal ao longo dos anos depende do seu fornecimento de vitae.
Se perder sua alimentação mensal, estará em sérios problemas. Enquanto estiver dentro de seu período natural de vida, retornará ao seu ritmo natural de envelhecimento.
Mas se tiver vivido entre 100 e 250 anos, este ritmo será multiplicado por 10.
Os carniçais que vivem há mais de 250 anos se transformarão imediatamente em pó se ficarem desprovidos de vitae.
Por outro lado, os carniçais anciões gozam de algumas vantagens; em muitos aspectos, esta prolongada exposição a vitae os transforma em algo não de todo humano.
Os carniçais e revenantes anciões adquirem uma maior “capacidade”: a cada século de vida, um revenante ancião soma 1 a sua Reserva de Sangue, enquanto que um carniçal ancião pode beber um ponto a mais de sangue sem problemas (logo, um carniçal de 150 anos pode armazenar 3 Pontos de Sangue no estômago, e um carniçal de 210 anos até 4 pontos, etc.).
Os carniçais anciões que não são revenantes também podem armazenar Pontos de Sangue além dos dez, mas no ritmo de um a cada dois séculos de vida (um carniçal de 850 anos tem uma Reserva de Sangue de 14 Pontos, dos quais pode beber 10 sem perder sangue). Além disso, a dificuldade de testes de regeneração cai em um ponto por século.
* Frenesi: O Narrador tem a responsabilidade de decidir quais situações podem fazer um personagem carniçal entrar em frenesi. Mesmo sendo relativamente improvável que um estímulo individual cause o frenesi em um carniçal (a dificuldade dos testes são três pontos menor do que para os vampiros), os carniçais experimentam a provocação de forma muito mais frequente. A natureza humana dos carniçais enfrenta continuamente suas Bestas, e são muitos os que carecem de controle para impedir que sua natureza vampírica tome o controle. Portanto, em uma crônica de carniçais, os testes de frenesi são muito mais frequentes do que em uma de vampiros. Para que um carniçal resista ao frenesi, o jogador deve passar em um teste de Autocontrole a uma dificuldade variável, precisando de cinco sucessos para superá-lo por completo.
Cada sucesso freia os efeitos do frenesi durante um turno. O jogador não pode jogar um numero de dados superior a sua Reserva de Sangue. O Narrador decide a dificuldade. Apresentamos uma tabela mostrando algumas das provocações mais frequentes.
Esta tabela leva em consideração a maior facilidade dos carniçais para evitar o frenesi. Os carniçais que sofram de Histeria Animal devem adicionar 3 a dificuldade dos testes.
Provocação | Dificuldade |
Cheiro da vitae do Dominador (estando faminto) | 3 |
Visão da vitae do Dominador (estando faminto) | 3 |
Sabor do sangue | 3 |
Ameaça verbal do Dominador | 3 |
Consumo de narcóticos ou alucinógenos | 3 |
Atacado pelo Dominador | 4 |
Dominador em perigo | 4 |
Dominador favorecendo outro carniçal | 4 |
Dose de vitae não administrada | 4 |
Visão, cheiro ou sabor do sangue de um parente humano | 4 |
Atacado por um Lupino | 5 |
Overdose de vitae do Dominador | 5 |
Humilhação frente aos mortais | 5 |
Humilhação frente ao Dominador | 6 |
Abandono | 6 |
* Laços de Sangue: Os carniçais continuam sendo entidades biológicas, e como tais o processo de Laço de Sangue é distinto do caso dos vampiros. Para um carniçal, o Laço de Sangue não é uma súbita imersão no amor, e sim uma progressiva queda até o fundo de um abismo emocional.
Após a primeira dose, um carniçal demonstra fortes sentimentos pelo doador (teria que interpretar estes sentimentos ou a luta para suprimi-los). Muitos carniçais independentes, sobretudo os que negociam com lacaios carismáticos e atrativos, preferem beber somente uma vez e seguir o seu caminho.
Após a segunda dose, as coisas não são tão fáceis: considera-se que o carniçal está sob efeito de uma pontuação de Vinculum de 5 (ver Guia do Jogador para o Sabá). Os carniçais com Força de Vontade inferior a 6 podem ter que fazer testes de Autocontrole para não tomar a terceira dose, e inclusive os carniçais com pontuações elevadas podem ter que fazer o teste (opção do Narrador) se a tentação de beber for forte.
Diferente dos vampiros, os carniçais podem “libertar-se” de um Laço negando-se a aceitar o Sangue do Dominador. A popular tradição Cainita afirma que é necessário um ano para ficar completamente “emancipado”: na realidade, o tempo requerido depende do carniçal após um período de abstinência de (12 - Força de Vontade) meses, o carniçal baixa em um nível o Laço (isto é, um carniçal totalmente sob efeito do Laço de Sangue passa a estar como se tivesse bebido duas vezes do Dominador, etc). Cada intervalo de abstinência reduz o Laço em um nível, até que o carniçal esteja “limpo”.
Mas não é nada fácil recusar as “doses”: na opinião do Narrador, um carniçal pode ter que gastar pontos de Força de Vontade para evitar a tentação da vitae de seu ex-Dominador, até estar completamente livre do Laço. Se o carniçal tiver uma personalidade propensa a vícios (uma Natureza Conformista ou Criança, por exemplo), pode ser que nunca consiga se livrar da vontade.
* Overdose: Os carniçais podem ingerir mais vitae do que armazenam comodamente em suas veias e estômago... mas isto pode ter efeitos secundários perigosos. Para cada ponto de Vigor do carniçal, este pode “empanturrar-se” com um ponto adicional de Sangue. Se beber mais vitae do que pode conter, deverá passar em um teste de Vigor (dificuldade 8). Se tiver sucesso, poderá usar o sangue em excesso normalmente. Mas se falhar, sofrerá um Nível de dano para cada Ponto de Sangue acima do máximo. E mais, o sangue em excesso não pode ser usado para aumentar os Atributos ou curar ferimentos. Eliminar estes Pontos de Sangue “inúteis” demora uma cena inteira de náuseas e purgação: até que isso ocorra, o carniçal não pode usar nenhum Ponto de Sangue.
Sob os efeitos da overdose, a dificuldade do carniçal em resistir ao frenesi será a mesma dos vampiros (ainda que certamente o carniçal não sinta fome neste ponto). O tempo de reação aumenta (o carniçal ganha temporariamente um ponto em Destreza), mas o personagem deve passar em um teste de Percepção + Autocontrole a cada cena ou sofrer violentas alucinações (o Narrador decide sobre os efeitos). Por último, os carniçais com overdose de vitae de um clã em particular sofrem todos os efeitos secundários (neste caso) desta vitae.
* Perturbações: Os carniçais são suscetíveis a Perturbações e existem Perturbações específicas para eles, apresentadas neste mesmo capítulo.
* Revenantes, Vitae e Pontos de Sangue: Os revenantes produzem sua própria vitae, ainda que também possam beber o Sangue vampírico (usando as regras do quadro “escolha seu veneno”, um revenante pode reter uma quantidade determinada de sangue no estômago, devendo extrair o próprio sangue para poder ingerir mais).
Um revenante começa o jogo com uma Reserva de Sangue igual a 10, somando 1 a sua Reserva para cada século de existência. Podem gastar sua vitae normalmente e repor suas reservas ao ritmo de um Ponto de Sangue ao dia, levando-se em consideração que ele esteja são e tenha uma alimentação adequada.
Enquanto o revenante se alimenta com vitae, é tão imune ao passar do tempo como qualquer outro carniçal. Mesmo sem o auxílio do Sangue, sua longevidade é extraordinária, com uma expectativa de vida de (150 anos + 50 por ponto de Vigor) anos.
* Regeneração: Os carniçais podem regenerar membros, ainda que de forma não automática. Para fazer uma tentativa de regeneração, o carniçal deve gastar um ponto de Força de Vontade, gastar um número apropriado de pontos de Sangue (um por um dedo ou olho, dois por um pé ou antebraço, três por um membro inteiro), e passar em um teste de Vigor contra a dificuldade 8. Se falhar ou tiver uma falha crítica, o carniçal não poderá nunca mais regenerar o membro perdido. Os carniçais mais antigos têm mais facilidade para a regeneração: é subtraída em 1 a dificuldade do teste para cada século de idade.
* Sangue: Os carniçais estão muito mais limitados que os vampiros em seu uso do Sangue. Podem usar a vitae para potencializar seus Atributos Físicos (até o máximo de o dobro de seu total) e curar seus ferimentos, tal como fazem os vampiros. O dano agravado afeta os carniçais da mesma forma que aos vampiros.
Uma vez gasta a vitae, esta desaparece até ser reabastecida (com exceção dos revenantes, que produzem sua própria semi-vitae). Sem a vitae em seus sistemas, os carniçais se curam da mesma forma que os humanos (veja Vampiro: A Máscara), os carniçais podem aprender as bases das Disciplinas, mas tem limitações em seu domínio.
Nenhum carniçal pode gastar mais de um Ponto de Sangue por turno. Além disso, os carniçais sofrem se perderem muito sangue, como os humanos. Se um carniçal perder mais de cinco Pontos de Sangue (seja vitae vampírica ou o seu próprio) em qualquer momento, estará debilitado: cada Ponto de Sangue perdido após isso será tratado como um Nível de dano, ainda que se cure imediatamente após o sangue entrar no sistema.
Se perder mais de sete pontos, deverá fazer um teste de Vigor + Fortitude contra uma dificuldade equivalente ao numero de Pontos de Sangue perdidos (8 ou 9); se falhar no teste, morre.
Um carniçal completamente drenado morre, mas pode ser transformado em vampiro se for alimentado com o sangue em questão em mais ou menos um minuto. Um carniçal Abraçado conserva as Disciplinas que já conhece, mas prosseguirá como um vampiro a partir de então.
Se for alimentado a cada noite durante um prazo superior a um mês, o carniçal começará a assimilar a vitae em sua corrente sanguínea. Após o primeiro mês alimentando-se assim, assume-se que um Ponto de Sangue humano se transformará em vitae para cada noite de alimentação contínua. Esta vitae penetra por osmose no corpo sem necessidade de extrair o sangue humano do carniçal.
O processo continuará ao ritmo de um Ponto de Sangue por noite, até que o carniçal tenha 10 pontos de vitae. Porém, um carniçal que queira manter este estado deverá continuar a se alimentar todas as noites. Se passar mais de três noites seguidas sem beber vitae, seu corpo começa a converter a sua vitae em sangue normal ao ritmo de um Ponto de Sangue a cada três noites. Uma vez iniciado o processo, o carniçal poderá detê-lo voltando a se alimentar todas as noites, mas seu corpo irá demorar um mês para retomar o processo de conversão.
* Vitae dos Clãs: A vitae de alguns clãs tem propriedades contagiosas: os carniçais que ingerirem ou injetarem cinco ou mais Pontos de Sangue de certos clãs devem passar em um teste de Vigor (dificuldade 5) ou “herdarão” uma forma atenuada da fraqueza de seu Dominador; isto dura até que o Sangue seja eliminado do sistema (isto é, quando o carniçal tiver menos de cinco Pontos de Sangue do clã).
Os clãs em que esta regra é aplicada são:
- Brujah (o carniçal entra em frenesi com uma dificuldade igual a de um vampiro Brujah);
- Malkavianos (o carniçal adquire uma Perturbação moderada);
- Nosferatu (reduz 1 ou 2 pontos a Aparência, até o mínimo de 1 ponto);
- Ventrue (o carniçal adquire uma preferência marcante por sangue Ventrue - possivelmente colocando o Dominador em perigo);
- Seguidores de Set (o carniçal sofre dolorosas [-1 na parada de dados] erupções cutâneas quando exposto a luz solar direta; além disso, muitos Setitas tem a Qualidade Sangue Viciante);
- Sabá (não há efeitos especiais, mas lembre-se da possibilidade de contrair uma doença por causa da Vaulderie).
A critério do Narrador, a vitae de outros clãs podem causar efeitos similares.